31 janeiro 2007

Cultura em Portugal

Cultura precisa-se!

E não só...

E estou a falar a sério!

Algo que rapidamente se constata é o facto que os valores actuais da pessoa comum estarem totalmente mudados relativamente à uns anos. Não só os valores, mas também as prioridades pessoais mudaram. Se fosse possível “trazer” uma pessoa que vivesse no início do século passado para a sociedade actual, esta sentir-se-ia totalmente desadaptada. E não me refiro apenas a nível tecnológico, mas também pela própria consciência e moral actual.
De certa forma a liberdade que ganhámos (e bem) nos finais do século anterior ofereceu-nos “coisas” boas e más. Em relação aquilo que chamo de “coisas boas”, estas não necessitam de ser referidas visto serem “common sense” (no entanto às vezes são esquecidas). No entanto, aquilo que dei o nome de “coisas más” tem a ver com a total “liberalização” dos valores.
Ao referir-me a valores não entendam isto como algo dogmático e conservador, nem sequer algo que esteja relacionado com a igreja (apesar de muitas pessoas os terem). Quando me refiro a valores refiro-me ao que consideramos de prioritário na nossa vida. Qual a nossa escala de importâncias e prioridades que damos à nossa vida diária.
Ao referir-me à chamada “liberalização” isto significa que aquando da nossa liberdade em 1974 toda a escala de valores que fora anteriormente estabelecida foi totalmente desmoronada e assassinada (em alguns aspectos agradeço por isso). Houve um corte gigante com o nosso passado! De repente, todo o nosso passado teria que ser esquecido, visto todo ele estar envolto da aura do fascismo e da censura. Todos os valores que, bem ou mal, o estado tentou passar aos seus cidadãos, (e que muitos os tinham em conta) tiverem que ser quebrados. De repente, os portugueses sentiram-se livres de toda a repressão que sentiam! Era algo fantástico (imagino)! Todos os nossos pais quiseram dar uma vida melhor aos seus filhos e de certa forma facilitarem a vida aos mesmos (visto terem tido uma educação tão rigorosa e restrita intelectualmente e culturalmente, queriam que seus filhos tivessem livres desse destino). Estava-se a criar “o monstro”! A cultura do facilitismo foi então criada. Todo o ser vivo que nascesse em Portugal teria que ser ajudado em tudo e dar-lhe toda a liberdade (visto sermos um povo livre). No entanto, esta liberdade e esta aparente facilidade, ir-se-ia revelar dramática (e irá?). Todo o português nascido após 74 sentiria que tudo na vida é simples e fácil (e o próprio estado contribuía para isso, veja-se os exemplos dos fundos comunitários desperdiçados). No entanto, não é! E estamos então em crise económica e principalmente crise de valores. A sociedade consumista de hoje em dia é filha do monstro criado. No entanto, o monstro têm mais filhos.
Com a evolução (ou revolução) tecnológica, nomeadamente na área da comunicação, com o aparecimento das, anteriormente chamadas, telecomunicações, notou-se um acréscimo quase exponencial do desenvolvimento nesta área, mas também na área dos próprios computadores, como relata a famosa lei de Moore (Gordon Moore previu há mais de trinta anos que, em cada 24 meses a capacidade de processamento dos computadores dobra enquanto os custos permanecem constantes).
O significado do conceito de sociedade evoluída transformou-se então. Nos dias que correm, uma sociedade é considerada evoluída se realmente tiver um avanço significativo nestas áreas, tanto a nível industrial bem como a nível de investigação. No entanto, a sociedade está a formar constantemente futuras pessoas. E eu refiro-me pessoas e não profissionais. Um bom profissional é aquele que é uma pessoa bem formada (e não o contrário). Os papéis foram invertidos!
Existem crianças com dois anos, que quase não sabem falar (e muito menos escrever) mas já sabem o que é um computador e já interagem com ele. Existem crianças que com cinco anos já têm telemóvel! Os valores transmitidos pelos novos pais estão totalmente subversivos. O consumo está a ser ensinado desde nascença, enquanto seria então esperado uma formação pessoal. Esta formação engloba várias partes, nomeadamente no estabelecimento de valores e prioridades que têm que ser transmitidos às crianças. Um exemplo muito prático é o facto de os pais querem que os filhos estejam muito bem vestidos e penteados, no entanto estes portam-se mal. A figura dos pais não transmite qualquer autoridade moral ao filho. Isto faz com que, ao crescer esta criança, irá ser uma pessoa que dá prioridade à aparência e ao consumismo, em detrimento da cultivação e desenvolvimento pessoal, nomeadamente a nível da cultura. Isto faz também com que esta pessoa seja instável emocionalmente e de certa forma, agir em padrão com a sociedade, quase como um “robot” ou um computador. Na forma de vestir, na forma de pensar, na forma de comer, nas suas actividades, basicamente ela estabelece assim um padrão de vida (no qual a cultura não entra). Vai também contribuir para que seja uma sociedade individualista, em que o mais importante é o bem pessoal. Não existe a cultura de respeito e ajuda ao próximo.
A leitura, a visita de museus, o pensamento livre, os debates, a escrita, o teatro, os concertos, a música em si, o cinema, as viagens e a pintura são alguns exemplos de actividades que uma pessoa deve ter em conta na sua vida pessoal (é claro que a cultura é muito mais que isto... mas é um bom começo). A cultura não é fácil, como muitas pessoas tendem a dizer. É um processo difícil e que dá trabalho, no entanto o que realmente interessa são os frutos desse trabalho. Esses frutos são o enriquecimento pessoal, nomeadamente com a “abertura de mentes”, mas também existir a consciência que o trabalho, quando justo, compensa. Esqueçam os aspectos económicos! É algo que não interessa para a vida pessoal, mas sim profissional. Há que separar estas duas realidades. Existe portanto, também, a necessidade de formar pessoas justas e ditas civilizadas, em que exista no pensamento a necessidade de um bem comum.
Apesar de estar na área das comunicações ao tirar licenciatura em Engenharia de Redes de Comunicação no Técnico tenho toda a noção que poderemos estar a criar e a alimentar um monstro. Como engenheiros temos o objectivo de fornecer o objecto no entanto não fornecemos qualquer valor moral sobre ele. Como vai ser utilizado não nos cabe a nós responder. A quem caberá é à própria sociedade.
A tecnologia tem que ser encarada como uma ferramenta (ou como, no meu caso, uma profissão) e não como a resposta à vida (nem um caminho de vida). Isto apesar de ser uma ideia talvez trivial, é algo que começa a acontecer e que poderá ser desastroso para a própria sociedade em geral.

Para me ajudar a desenvolver a resposta a estas questões comprei três livros hoje:
"Para Além do Bem e do Mal" de Friedrich Nietzsche
"A sociedade de consumo" de Jean Baudrillard
"A era do vazio" de Gilles Lipovetsky