15 julho 2007

Estava escuro e o álcool à muito que tinha-se apoderado de parte do meu sangue. Reivindicou para si alguns direitos sobre o meu comportamento devido à sua nova apropriação de terras. Ditou que tivesse mais anestesiado a estímulos exteriores. Ditou que o mundo tivesse mais sentido aos meus olhos. Que todas as coisas tivessem em harmonia com a natureza e que nada, mas nada, a interrompesse. Como se tivesse num circo de crianças sem palhaços e com uma banda cigana em música de fundo. Poisei o copo e passei a mão pelos cabelos. Sentia a cabeça pesada. Inspirei mais um pouco daquele puro feito numa ilha distante. Que bem que sabia. Já era o quarto que fumava nessa noite. Já começara a sentir o sabor da Terra do ditador nos lábios. Sabor de conhecimentos passados entre gerações milenares.
Olhei em minha volta e vi um lugar estranho. Um sítio em que uma névoa pairava no ar. Imaginei então este sítio sem aquelas luzes intermitentes e coloridas, sem sombras, e encontrei um sítio vazio. No entanto, àquela hora e naquele estado tudo fazia sentido. Um espelho que reflectia fantasmas errantes e que estava atrás de um homem a por um som metódico, como se chamasse pelo seu exército perdido. Uma raiz de uma árvore falsa que percorria todo o tecto. As paredes com uma cor castanha de uma época que não nos encontramos. Uma cortina cor de sangue que nos tapava do mundo exterior. Tudo fazia sentido... Todos os corpos se moviam e deslizavam ao som dos graves, e de alguns agudos perdidos. Todos em sintonia. Como se tratassem das escamas de uma serpente gigante em movimento. Tudo se movia com um objectivo. Com o objectivo de atacar a sua presa. Um coelho indefeso algures entre as ervas altas do pântano que todos nos encontrávamos.
Pareceu-me ter visto uma dessas escamas que se movia em sentido contrário. Não percebi bem o porquê, não tinha qualquer sentido! Prejudicava um pouco a progressão da serpente e que lhe causava dor ao mover-se. Era uma espécie de nascente de sangue frio da serpente sábia.
Fui ter com ela e perguntei-lhe o que fazia ali. Ela pediu-me um puro. Disse que tinha vindo de longe, mas que em breve iria partir para sua casa. Tinha vindo do outro lado do oceano e que em breve deixaria de causar dor à serpente. O meu coração foi invadido subitamente por um aperto. Como uma mão de um ciclope que me despadaçava o orgão rei. Sem saber bem porquê, senti saudades daquela escama. Abracei-me a ela e pedi-lhe que não fosse embora.

10 julho 2007

"Tal como nós, todos os seres, mesmo os que nos são hostis, receiam o sofrimento e aspiram à felicidade. Tal como nós, todos eles têm o direito de ser felizes e de não sofrer. Preocupemo-nos portanto, sinceramente, com os outros, sejam eles nossos amigos ou inimigos. Esta é a base da verdadeira compaixão." Dalai Lama

09 julho 2007

"Para ver face a face o Espírito da Verdade universal, que tudo permeia, o indivíduo deve amar a mais insignificante criatura como a si próprio. E um homem que quer chegar a isto não pode permanecer fora de nenhum campo da vida. É por isso que a minha devoção à Verdade me levou ao campo da política. E posso afirmar, sem a menor hesitação e ainda assim humildemente, que aqueles que dizem que religião não tem nada que ver com política não sabe o que significa religião.

A identificação com tudo o que vive é impossível sem uma autopurificação. Sem ela, a observância da lei do Ahimsa permanecerá um sonho vazio. Deus jamais será realizado por alguém que não tenha o coração puro. A autopurificação, portanto, deve implicar a ascese em todos os aspectos da vida. Por ser contagiosa, a purificação de nós mesmos leva à purificação dos que nos rodeiam.

Mas o caminho para a autopurificação é árduo e ingreme. Para a atingir, o indivíduo tem de se tornar absolutamente livre de paixões em pensamentos, palavras e acções. Tem de elevar-se acima das correntes opostas de apego e ódio, atracção e repulsa. Sei que ainda não tenho dentro de mim esta tríplice pureza, apesar da minha constante e incessante luta por ela. É por isso que os elogios do mundo não me comovem, na verdade com muita frequência me doem. Conquistar estas paixões subtis parece-me mais dificil que a conquista física do mundo pela força dos braços. Desde o meu regresso à Índia, tenho tido experiências com paixões latentes, escondidas no meu interior. O conhecimento delas fez que me sentisse humilhado, mas não vencido. As experiências e a experimentação têm-me sustentado, proporcionando-me grande alegria. Mas sei que ainda tenho um caminho difícil a transpor. Devo reduzir-me a zero. Enquanto o homem não se colocar por livre e espontânea vontade como a última de todas as criaturas, não há salvação para ele. O Ahimsa é o limite máximo da humildade." Mohandas K. Gandhi

05 julho 2007

Hoje acordei na areia às 6h30 da manhã com um sonho estranho e com a barriga muito fria. Estava deitado numa areia gelada devido a uma sombra gigante. Uma sombra de um penhasco com milhões de anos e com muitas histórias para contar. Senti-me mal. Senti-me enjoado. Não percebo se foi das amêijoas da noite de ontem, ou se foi pelo facto de me lembrar que está tudo a acabar. Tive que sair dali meio a correr. Tentei respirar bem fundo aquela maresia do canto dos cantos da Europa. Nada feito! Corri para trás de uma rocha e com três ofegantes e profundos impulsos satisfiz o desejo do meu estômago.
Fiquei com um sabor amargo na boca. Um sabor físico e psicológico. Sentei-me e reparei numa velha gaivota que à muito me observava. Parecia que se interrogava o que eu estava ali a fazer. Não me conhecia ali por aquelas bandas. Era novo ali! No seu território de à muito. Nem eu próprio sabia o que estava ali a fazer...
Ouvi então a minha barriga a queixar-se! Resmungou bem fundo e com todo o sentido. Como um uivar de um lobo ferido. Dei-lhe uma pequena festa e pedi-lhe desculpas pelos últimos abusos. Ela mandou-me à fava! Estava farta de desculpas.
Restou-me olhar para as ondas que quebravam na areia. Para o sol que custava em subir. Para a areia que parecia cinzenta. Para o vento que zumbia. Para o farol que rodava iluminando tudo em seu redor. Para as gaivotas que gritavam de alegria.
Fiquei para ali sozinho numa praia no fim do mundo. Sem rede no telemóvel, sem um único ruído da civilização, sem nenhum ser humano acordado.
Lembrei-me que tinha que tentar dormir mais um pouco. No entanto, desfrutei tanto deste pequeno momento que me custava deixá-lo para trás.
Cedi... E deitei-me.

Continuei mal disposto...

Não conseguia dormir...

Tive que sair de novo dali...

Quase que tropecei numa pedra cinzenta. Mas aguentei-me. Larguei um pequeno gemido, mas aguentei-me.
Quis ir para o pé do mar. Onde já havia uma réstia de sol que me podia aquecer. Sentei-me descalço à beira mar e olhei para aquele magnífico quadro. Tirei uma fotografia com os meus olhos para mais tarde recordar.
Será que toda a vida resume-se a isto? Guardar fotos destes momentos? Não será demasiado redutora? Mas é muito compensadora...

Continuei a tirar fotos com os olhos até o sol nascer totalmente. Só parei quando me relembraram que existe realmente civilização. Que existe o ser humano.



Acordei então os outros humanos que estavam comigo.




Dedicado ao Diogo e ao Calhau, camaradas desta última viagem de surfe.